Don Juan
Caro leitor, volto à sua presença para apresentar com eloquência minha opinião sobre fatos relevantes ocorridos em nosso mundo artístico e literário.
Trata-se da ilustre e enigmática figura Don Giovanni, conforme a perspectiva de seus admiradores.
Como sabemos, a figura de Don Giovanni, ou Don Juan (como é mais comumente chamado em sua versão espanhola), evoca um nobre espanhol, sensual e instintivo, que se destacou por seu comportamento indisciplinado, especialmente no período do Barroco. Várias obras, como Le Festin de Pierre (1665), de Molière, e El Burlador de Sevilla (1630), de Tirso de Molina, entre outras, se baseiam nesse icônico e irreverente personagem, cujas ações e características continuam a ressoar através dos séculos.
Cem anos depois, esse devasso personagem retorna à cena, desta vez vivificado pelo brilhante gênio Wolfgang Amadeus Mozart, com a cumplicidade do librettista italiano Lorenzo da Ponte (ex-sacerdote, exonerado de suas funções por má conduta religiosa, libertinagem e indisciplina). Da Ponte, apaixonado pela filosofia de Rousseau e amigo de Giacomo Casanova, conquistou fama ao trabalhar com Mozart, criando As Bodas de Fígaro, Cosi fan tutte e Don Giovanni. Ao escrever uma carta a um amigo, ele afirmou: "A poesia deve ser filha obediente da música."
Devo acrescentar em meu depoimento que a diferença entre as denominações Don Juan e Don Giovanni é significativa. Embora o primeiro seja de origem espanhola, foi o segundo, com a obra de Mozart, que se projetou de maneira definitiva, tornando-se uma das mais célebres e complexas óperas, misturando elementos de comédia e drama, além de ser uma das maiores conquistas da ópera clássica. O libreto de Don Giovanni, criado por Da Ponte, em italiano, alcançou um prestígio internacional, e é por meio deste idioma que a obra encontrou seu maior reconhecimento.
Convém lembrar que, durante a criação desta obra, Mozart sofreu profundamente com a morte de Leopold Mozart, seu pai, a quem venerava calorosamente. Esse evento afetou sua estrutura psicológica e, indiretamente, o processo criativo da obra, embora Don Giovanni já estivesse em andamento quando isso ocorreu.
No entanto, em 1822, o grande músico e compositor de óperas Charles Gounod, profundo conhecedor de Bach e Mozart, saiu em defesa de Mozart com o seguinte pronunciamento:
"A expressão é sempre tão perfeita em Mozart e completamente justa que sua frase musical revela até o próprio gesto, até a atitude, do personagem que deve fazer falar. A frase é realmente o retrato, a forma interior e exterior desse personagem."
Por fim, quero afirmar que a genialidade de figuras como Don Giovanni, em suas várias encarnações, transcende o tempo e continua a inspirar, provocando reflexão e admiração. A capacidade de uma obra de arte, como a de Mozart, de capturar a essência de um personagem tão complexo e, ao mesmo tempo, universal, reflete a eterna busca do ser humano por entender a si e o mundo ao seu redor. É esse poder da arte – de transformar, questionar e iluminar – que devemos sempre valorizar, independentemente das eras ou das convenções que moldam nosso olhar sobre o passado.